Um novo ano, como convenção social que é, não opera por si mesmo uma mudança em realidades que já estão em curso. Estimula, no entanto, o olhar mais analítico, que permite a construção de uma perspetiva global e a identificação de tendências.
Assim, no mundo do trabalho – e dos recursos humanos em particular –, espera-se que 2024 confirme e reforce o que o seu precedente já mostrou. O cruzamento da informação proporcionada por estudos ou depoimentos de especialistas revela cinco denominadores comuns, sem prejuízo da existência de microtendências: escassez de talento; Inteligência Artificial; soft skills; flexibilidade e bem-estar dos colaboradores e economia verde.
A dificuldade em contratar ou manter profissionais qualificados para algumas funções específicas manter-se-á em 2024, segundo as análises prospetivas. 60% das empresas inquiridas no estudo “tendências de recursos humanos 2023 – 2024”, da Randstad, reconhecem que se debatem com uma “notável escassez de talento”. A quase totalidade (90%) das empresas que participaram neste estudo, publicado em novembro passado, procuraram novos profissionais este ano.
O uso da Inteligência Artificial (IA) – e, numa escala menor, da generativa – é uma das mais vincadas tendências esperadas para 2024. Conforme o estudo da Randstad, a digitalização e inovação tecnológica (com a IA à cabeça) representa, para as empresas, a mudança com maior impacto no mundo do trabalho para 2024 (50,4%). A progressiva generalização desta ferramenta irá passar pelos diversos processos das organizações – incluindo o recrutamento – como até individualmente, pelos candidatos a vagas de trabalho. Sobre os perigos que a AI generativa acarreta para o mercado de trabalho, a Organização Internacional do Trabalho veio desmistificar aquele que é apontado como o seu maior risco quando, num relatório publicado em agosto, defendeu que esta tecnologia “provavelmente irá aumentar em vez de diminuir empregos”.
As condições laborais permanecem também na agenda das principais tendências das organizações e profissionais. E nestas, a flexibilidade é o conceito-chave: na remuneração (compensação flexível), nas regalias (salário emocional) e no formato (híbrido).
As soft skills, tal como em 2022, deverão continuar a ser as valências mais cobiçadas. O estudo da Randstad revela que a orientação para os resultados e a capacidade de adaptação são as competências prioritárias tanto das empresas como dos colaboradores. Neste contexto, o reskilling e o upskilling manter-se-ão como estratégias privilegiadas para combater a escassez de talento.
As condições laborais permanecem também na agenda das principais tendências das organizações e profissionais. E nestas, a flexibilidade é o conceito-chave: na remuneração (compensação flexível), nas regalias (salário emocional) e no formato (híbrido). Tudo isto para que os colaboradores possam usufruir de um verdadeiro work-life balance e o local de trabalho seja, de facto, um lugar de promoção da saúde mental.
A economia verde e tudo o que com ela se relaciona (empregos, modelos, soluções, talento/competências e tecnologia) será também uma das tendências que acelerá em 2024, assim como nos anos seguintes. O “Green Jobs Report”, estudo do ManpowerGroup di- vulgado em setembro, revela a confluência no movimento do mercado de trabalho entre empregadores (70%, a nível mundial, afirmam estar a recrutar ativamente para empregos ou competências verdes ou planeiam fazê-lo) e candidatos (68% estão “mais dispostos a aceitar empregos em organizações que consideram ambientalmente sustentáveis”).
A descarbonização é um objetivo assumido pela maior parte dos grandes blocos económicos (Estados Unidos, União Europeia e China), já com implicações nas metas estabelecidas pelas grandes empresas, tanto na vertente própria (neutralidade carbónica, ou seja, resultado final de emissões zero) como na da cadeia de valor (“Net Zero”, cortar as emissões indiretas associadas àquele produto ou serviço desde os fornecedores aos utilizadores finais). Este estudo da consultora de RH refere que 34% das maiores empresas do mundo estão comprometidas em atingir o Net Zero.
Numa perspetiva mais genérica (objetivos ESG), o “Green Jobs Report” assinala uma pre-disposição, mas também uma lacuna, o que deixa antever um fluxo de procura no mercado: quase 8 em cada 10 organizações têm uma estratégia de ESG (ou estão em processo de a planear) vs 94% a nível global e 91% em Portugal que “carecem do talento necessário” para atingir esses objetivos.
Meia dúzia de tendências na aquisição de talento
A contratação (ou manutenção) de talento é o aspeto fulcral da dinâmica do mercado de trabalho, pelo que as suas tendências influenciam indelevelmente todo o edifício laboral. A consultora organizacional Korn Ferry, no estudo “Talent Acquisition Trends Report 2024”, apontou as seis que irão marcar o próximo ano.
A primeira tendência na aquisição de talento identificada pela consultora multinacional é a harmonização entre os recrutadores e a IA na contratação: o equilíbrio entre os ganhos de tempo/eficácia e dinheiro proporcionados por este tipo de tecnologia e a sua necessária implementação estratégica por parte dos líderes, sob pena dos processos de recrutamento tornarem-se completamente autómatos (sem intervenção humana) e, dessa forma, incorrerem em riscos significativos de fracasso.
A ajuda da IA aos profissionais no direcionamento das suas candidaturas é a segunda linha de força identificada. O apoio é dado tanto na pesquisa em si (comparando e selecionando as empresas, funções, salários mais interessantes na ótica de quem procura) como na formalização da candidatura (carta de apresentação, adaptação do curriculum). Segundo um estudo da MIT Sloan citado neste relatório, os candidatos que utilizam a IA para aperfeiçoar o currículo registam melhores taxas de contratação (em 7,8%) e salários mais altos (em 8,4%).
A terceira tendência é o reforço da contratação em início de carreira. A Korn Ferry prevê que os recrutadores alarguem a sua rede (nomeadamente os de maior dimensão) a estudantes de “instituições de ensino superior técnicas e não tradicionais”.
Contratar muito mais por competências do que pelo curriculum académico ou até profissional é a quarta característica prognosticada. Esta abertura assumirá várias facetas: contratações temporárias para melhorar as competências das equipas (que também podem funcionar como teste ou experiência com vista a um eventual vínculo permanente); redistribuição de funções nas empresas, atendendo aos atributos que vão sendo revelados e melhorados pelos profissionais; enfoque nas soft skills e atenção especial também às competências de liderança.
Nesta nova abordagem, o mais importante é “o que os candidatos sabem “em vez de o “onde estiveram”. O “Talent Acquisition Trends Report 2024” refere que os anúncios de emprego no LinkedIn que não exigem um diploma cresceram 36% em 2022.
A quinta tendência, colocada sob a forma de imperativo, é a empatia (também designada “descer degraus”) e como esta readquire importância no topo, em particular a capacidade de ouvir e ter em conta as circunstâncias pessoais das pessoas que comandam. A quase totalidade (99%) dos profissionais inquiridos por este estudo afirma que os líderes da sua empresa demonstraram empatia por eles.
A última linha de força esperada para 2024 está a ter especial impacto nos Estados Unidos: o fim do trabalho exclusivamente remoto e o consequente regresso, mesmo que em tempo parcial, aos escritórios. Tal alteração de formato está a colocar milhares de americanos (em 2024 saberemos se também os europeus) no dilema de mudar de cidade ou demitir-se, depois de, durante a pandemia, terem escolhido para trabalhar uma empresa em localização diferente daquela que era a da sua residência, já que podiam desempenhar funções a partir de casa.
